TUTU, MUGABE E OS BARRICAS DO MPLA

José Marcos Barrica, então embaixador de Angola em Portugal, chefiou em Março de 2008 os observadores eleitorais da África Austral nas “eleições” presidenciais do Zimbabué, país dirigido por Robert Mugabe, querido amigo do MPLA, a quem Desmond Tutu chamou “Frankenstein do povo” e que Mandela responsabilizou pela desgraça do Povo do Zimbabué.

Na altura, certamente com toda a legitimidade e correspondendo ao seu conceito de ditadura e de democracia, mas contra todas as informações independentes que chegavam do Zimbabué, José Marcos Barrica afirmou que as “eleições foram uma expressão pacífica e credível da vontade do povo”.

Também à revelia das informações que chegavam do reino de Robert Mugabe, José Marcos Barrica disse que as eleições foram “caracterizadas por altos níveis de paz, tolerância e vigor político dos líderes partidários, dos candidatos e dos seus apoiantes.”

Marcos Barrica não perdeu, aliás, a oportunidade para salientar que “as eleições foram realizadas contra um pano de fundo caracterizado por um clima internacional muito tenso e bipolarizado onde alguns sectores da comunidade internacional permanecem negativos e pessimistas quanto ao Zimbabué e às possibilidades de as eleições serem credíveis”.

Como se viu, vê e verá, José Marcos Barrica tinha razão quanto à democraticidade, legalidade e pacificação do regime de Mugabe. Tal como se viu, vê e verá em relação à democraticidade de Angola, cujo presidente que o escolheu esteve no poder 38 anos sem ter sido nominalmente eleito.

Recorde-se igualmente que José Marcos Barrica considerou que “as eleições foram conduzidas numa forma aberta e transparente”, congratulando-se com o facto de a Comissão Eleitoral do Zimbabué “satisfazer os desafios administrativos de levar a cabo as eleições harmonizadas e demonstrar altos níveis de profissionalismo”.

“O grande vencedor é o povo do Zimbabué”, concluiu na altura o chefe dos observadores eleitorais da África austral nas presidenciais do Zimbabué.

E, já agora, recorde-se que sobre o mesmo tema, o então primeiro-ministro de Cabo Verde afirmou que “é preciso que as eleições em todos os países africanos sejam livres e transparentes”, acrescentando que “não considero que estas eleições no Zimbabué tenham sido livres e transparentes. Espero que haja bom senso e que a democracia possa vingar no Zimbabué”.

“É preciso liberdade de expressão e de criação de partidos políticos. É isso que tem que acontecer e portanto as eleições não podem ser nenhuma farsa, têm que ser livres e transparentes”, afirmou também José Maria Neves.

Questionado sobre a posição de Cabo Verde face ao novo governo do Zimbabué, o chefe do governo declarou-se “solidário com a oposição zimbabueana”, afirmando que apesar do executivo “não precisar do reconhecimento de Cabo Verde”, a comunidade internacional “não pode pactuar com atitudes desta natureza”.

Pelos vistos, José Marcos Barrica conseguiu ver em Angola, tal como no Zimbabué, tudo o que os outros não encontram. No caso de Robert Mugabe, grande amigo do MPLA, também a UNITA acusou a União Africana e a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral de pactuarem com a “ilegitimidade e o desrespeito das normas internacionais” ao aceitarem Robert Mugabe no seu seio como Presidente do Zimbabué.

Por outro lado, o então presidente da RENAMO, maior partido da oposição em Moçambique, Afonso Dhlakama (já falecido), disse que o Governo moçambicano deveria encerrar a embaixada do Zimbabué em Maputo, em “sinal de reprovação pela postura ditatorial de Robert Mugabe”.

Bons (e maus) terroristas

Margaret Thatcher (primeira-ministra do Reino Unido de 1979 a 1990) proibiu em 1979 o seu enviado especial à então Rodésia de se encontrar com Robert Mugabe. O argumento era o de que “não se discute com terroristas antes de serem primeiros-ministros”.

“Não. Por favor, não se reúna com os dirigentes da ‘Frente Patriótica’. Nunca falei com terroristas antes deles se tornarem primeiros-ministros”, escreveu Margaret Thatcher – e sublinhou várias vezes – numa carta do Foreign Office de 25 de Maio de 1979 em que o então ministro dos Negócios Estrangeiros, Lord Peter Carrington, sugeria um tal encontro.

Ou seja, quando se chega a primeiro-ministro, ou presidente da República, deixa-se de ser automaticamente terrorista. Não está mal. É verdade que sempre assim foi e que sempre assim será.

Esta posição de Margaret Thatcher recorda-nos que quando o Conselho de Segurança das Nações Unidas impôs sanções contra a UNITA o fez porque dizia o que o MPLA queria, ou seja, que os homens de Jonas Savimbi eram os maus da fita, ou seja, terroristas.

Ainda no uso da memória, recorde-se que em 2001 o então secretário-geral da ONU, Kofi Annan, justificou as sanções com os “ataques da UNITA que, nos últimos meses desse ano, mataram milhares de civis”. Curiosamente, poucos dias antes, Eduardo dos Santos afirmara que a UNITA só tinha forças residuais e que só um milagre a salvaria.

Nessa altura, como hoje, a ONU mostrou que é apenas o porta-voz dos donos mundo, pelo que em vez de trabalhar para os milhões de angolanos – por exemplo – que têm pouco (ou nada), prefere lamber as botas (tal como faz Portugal) aos poucos que têm milhões, caso de José Eduardo dos Santos ou de, agora, João Lourenço.

“Povo do Zimbabué deu lição de democracia”

A afirmação foi de Robert Mugabe (ou Frankenstein, segundo Desmond Tutu) quando em 2008 foi “reeleito” presidente. Na altura, o arcebispo sul-africano e prémio Nobel da Paz, Desmond Tutu, juntou-se a Nelson Mandela nas críticas ferozes ao presidente do Zimbabué.

Depois de Nelson Mandela ter dito que a situação no Zimbabué se deve a um “trágico fracasso de Mugabe”, Desmond Tutu acrescentou que o reeleito presidente “é o Frankenstein do povo”.

Mas nem estas críticas de altos dignitários mundiais e vizinhos alteraram a estratégia de Robert Mugabe que, aliás, as comentou dizendo que “nem Mandela nem Tutu sabem o que dizem quando falam do Zimbabué”, acrescentando ainda “que o povo deu uma lição de democracia.”

Do país, apesar das fortes medidas contra todos os que não eram adeptos de Mugabe (onde é que os angolanos já viram isto?), chegavam alarmantes notícias sobre a intimidação levada a cabo pelas forças do Governo para que o povo fosse votar. “A democracia funcionou e a esmagadora maioria do povo votou em mim”, disse Robert Mugabe.

“O que se passou não foi uma eleição. Foi um exercício de intimidação em massa”, disse na altura Margan Tsvangirai (principal opositor de Mugaba), afirmando “compreender que as pessoas queiram viver e que por isso tenham ido votar”.

Margan Tsvangirai esperava “que perante tamanha fraude a comunidade internacional passe das palavras aos actos”, pedindo mesmo “que uma missão da ONU se desloque rapidamente ao país para tentar evitar uma catástrofe”.

Como habitualmente, quando a União Africana, nem como a ONU, pensou em sair dos luxuosos gabinetes já o Zimbabué, um dos países mais ricos e promissores de África, estava em coma.

Entretanto, o Presidente João Lourenço manifestou pesar pela triste notícia do falecimento do arcebispo Desmond Tutu, figura histórica do movimento anti-apartheid e Prémio Nobel da Paz.

Em mensagem endereçada a Cyril Ramaphosa, Presidente da República da África do Sul, o Chefe de Estado angolano considerou que a “África do Sul e o continente africano, no geral, perderam um dos seus maiores ícones da luta pela reconquista da dignidade dos seus filhos, um homem da fé que consagrou a sua vida a combater sem tréguas o hediondo sistema de separação dos homens com base na cor da pele”.

João Lourenço sublinhou, na nota, que o arcebispo Desmond Tutu será lembrado pelo legado de patriota intrépido, iluminando as gerações futuras chamadas a preservar a África livre do Apartheid e todas as restantes conquistas.

“Transmito a Vossa Excelência as sentidas condolências em meu nome e no do Executivo angolano, sentimento que estendo à família do inditoso arcebispo Desmond Tutu”, escreveu o Presidente da República de Angola.

Dez anos depois de vencer o Nobel da Paz pela luta contra o Apartheid, testemunhou o fim do regime e presidiu a Comissão da Verdade e Reconciliação, criada para tornar públicas as atrocidades cometidas durante o período de segregação.

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